Obrigada pela música.
Obrigada à minha família por serem tão musicalmente ricos.
Graças a eles, em todas as esquinas me deparo com sons familiares, e chego à conclusão de que, se tenho uma tão vasta paleta de gostos musicais, é a eles que o devo.
E é que não se fica apenas por já ter ouvido uma coisa ou outra...
Passa por conhecer, por exemplo, os corredores da Fundação Gulbenkian, e conhecer-lhe o cheiro (ah...que cheiro tão especial tinha a Gulbenkian) e associá-lo a tantas memórias auditivas e também visuais (um grande concerto do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, com bolas de ping-pong a saltar de um piano e de uma harpa!).
Sentir as canções portuguesas e estrangeiras com toda a força que se pretendia transmitir.
Conhecer grandes nomes da música de que hoje, pouco ou nada se ouve falar.
Sim. Tenho que agradecer à minha mãe, por me ter levado pelos caminhos da música coral, que ainda hoje tanto mexe comigo.
Ao meu pai, por me ter dado a conhecer tantos músicos estrangeiros, que, quando pergunto a gente da minha idade se conhecem logo me fazem uma careta com um enorme ponto de interrogação por cima(?).
À minha irmã (também ela por influências dos meus primos...) por me ter criado o bichinho da música brasileira e portuguesa (da boa!) que decorei de tanto ouvirmos em casa. E que ainda hoje gosto de ouvir!
Aos meus primos por nos apresentarem sempre novos sons, por se manterem actualizados e fazerem questão de o partilharem connosco.
Aos meus tios por manterem vivas as canções e temas populares portugueses que de outra forma já não conheceria (como uma tal canção dos Malmequeres, que são finas flores..)
À Minh'avó, que através das suas canções ainda me transmitiu alguns pregões e tradições, que já não são do meu tempo, mas que me fizeram ficar atenta àqueles que ainda se ouviam pelas ruas de Lisboa (quem não se lembra do som do amolador de facas que passava nas ruas, ou do senhor da "Olá fresquinho" na Costa da Caparica?)
À Bruna, que lá de longe me mandava sons diferentes, numa língua estranha...mas que aprendi a ouvir, gostar e cantar...(mesmo que por vezes não faça ideia do que estou a dizer).
Obrigada, porque agora, quando volto a ouvir esses sons, que reaparecem a cada esquina, reconheço-os. E identifico-os. E sinto-me privilegiada.
Graças a essas janelas que se foram abrindo para mim, fui capaz de abrir umas portas e fechar outras.
Graças a esses caminhos sonoros que percorri, fiquei mais atenta, mais sensível, mais selectiva aquilo que nos entra pelos ouvidos dentro.
Tenho pena que nem todos tenham a sorte de ter uma família tão musicalmente rica como eu tenho.
Trago na memória momentos únicos. Cantar e tocar num palco ou num bar, com apenas meia dúzia de canções no bolso, mas com uma convicção de encher um pavilhão (com a minha prima Marta); cantar ao fim da tarde à volta de uma fogueira, na praia ou na Assafora, com ou sem viola; tentar acompanhar o Zé enquanto cacarejavamos que o Galo é dono dos ovos; ou até, nas eternas noites familiares em casa da Minh'avó à volta do piano, cantando as suas cantigas a uma, duas ou até três vozes.
Obrigada por terem enchido a minha vida de música!